quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

CRÍTICA: "A MENINA QUE ROUBAVA LIVROS" de Markus Zusak



     Li A Menina que Roubava Livros com alguns anos de atraso. Tinha ele na estante numa edição meio suja comprada num sebo por um preço bem abaixo dos RS 40 que custavam na época novo, e até tinha tentado ler há cinco anos atrás, mas desistido após a página 100 por conta de que peguei livros que na ocasião me pareceram mais interessantes. Mas ano passado resolvi tirar o atraso, e posso dizer que tive uma grata surpresa.


     Narrado pela morte, o livro conta a história de Liesel Meminger, filha de comunistas, que por volta de seus 8 anos é adotada por uma humilde família alemã, que receberia duas ajudas de custo do governo para cuidar da menina e seu irmão, sendo que este último acaba morrendo no trem no decurso da viagem. Durante o enterro de seu irmão, a jovem rouba um livro caído na neve, O Manual do Coveiro, e este é o primeiro livro de muitos que a menina roubará ao longo dos anos. Acompanhamos então a trajetória de Liesel em meio a ascensão da Alemanha Nazista ao longo de alguns anos: o desenvolvimento afetivo na relação com seus pais adotivos; suas amizades de infância, e é uma coisa muito natural que na infância exista aquela amizade idílica que só pertencerá a esta fase de nossas vidas, aquele amigo marcante que ao crescermos nunca mais teremos notícias sobre, mas que sempre estará em nossas lembranças mais querida, sempre trará aquele gosto de nostalgia (inclusive, após meses e meses em que li o livro, ainda sinto saudades dos bons amigos Liesel e Rudy); seu envolvimento com grupos de ladrões de comida e delinquentes é um reflexo da fome assolando sua comunidade e vários outros problemas que a guerra trás, mas que nenhum deles impede a fome da menina pelo conhecimento e pelas letras, por mais que ela faça muitas vezes esforço para não se desviar de seus intentos por conta da barriga roncando, e Markus Zusac é muito feliz ao retratar tudo isto sem parecer forçado ou antinatural. O livro parece acreditar que, apesar de toda uma sorte de catástrofes ao redor, e mesmo que estes o atinjam impiedosamente, o ser humano deveria buscar o aprimoramento intelectual, mesmo que isso represente ter atitudes ditas amorais, como roubar. São essas pessoas que tentam achar uma razão a mais para viver e não somente para sobreviver, e que trazem uma luz para os outros ao redor. Há um outro livro que parece mostrar esta mesma filosofia, O Menino que Descobriu o Vento, o livro autobiográfico de William Kamkwamba, que venceu as adversidades geográficas e de preconceitos para trazer energia elétrica por meio de métodos alternativos numa região com uma infraestrutura zero e assolada pela fome endêmica num dos países mais pobres e esquecidos da África, ajudando toda a sua comunidade a ter um mínimo de prosperidade. E é Liesel, com histórias aprendidas nos livros e remodeladas e reinventadas em sua imaginação que trará conforto a todas as almas apreensivas no porão, durante bombardeios aéreos. Acima de tudo, A Menina que Roubava Livros é um belo livro sobre a infância. Criança é criança em qualquer cultura e em qualquer época histórica, mesmo em tempos conturbados, e estes problemas fazem crianças mais espertas e desenvoltas, capazes de encarar o mundo cão que as cerca. Apesar de tudo, Liesel não teve sua infância perdida. Foi uma bela infância.

     O fato de a Morte narrar o livro não o torna macabro ou algo do gênero. Na verdade, ela nunca foi retratada de maneira tão delicada, se tornando uma amiga chegada nossa. No entanto, muitas vezes, o autor se esquece de quem conta a história em alguns momentos e admite uma narração onisciente tradicional. Ao menos nos momentos chaves, a narração poética de nossa companheira está lá. O modo como ela conta a história cria um ritmo muito interessante. Quase não havendo frases subordinadas, elas parecem mais versos de um poema, muito apropriado para narrar a infância de Liesel, onde conta sua história de uma maneira episódica (o que geralmente não é um bom sinal, mas que aqui funciona muito bem). Esta mesma narração poderia ser acusada de revelar um romantismo ingênuo por parte de Zusak, mas não concordo inteiramente com essa opinião. Ele não ignora os problemas da vida, e ter um mínimo de esperanças não é falta de realidade ou sinal de escapismo. Poderíamos acusar Zusak de ter amenizado as coisas ao final, evitando um final impactante por sua violência. Mas, puxa vida, os eventos já são violentos por si só, sem precisar de uma percepção gráfica desta violência. Assim, o autor acertou em cheio na opção narrativa do livro e no seu desenvolvimento.

     Mas nem tudo são flores. O sonho em que Max, o judeu que se esconde no porão da casa de Liesel, luta contra Hitler numa arena é de um maniqueísmo e ingenuidade que irrita. Da mesma maneira, em alguns momentos, a fome e outros problema nos são apresentados, mas não nos é explicado claramente como a estas adversidades foram superadas, o que foi um erro, visto que com a fome, há a morte, e com a morte, não há história. Mas claro, são erros pontuais.


      A Menina que Roubava Livros é um livro que tem muito a nos ensinar sobre a compaixão pelo próximo, sobre viver em comunidade e cultivar amizades. E é muito interessante que este seja o livro mais lido no Brasil pelos presidiários.

      Então, para quem não leu, fica a dica.

     

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