segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

GISELLE pelo The Royal Ballet (2014)

   

   Para se entender melhor um ballet de repertório, deve-se ler o libretto antes. Claro que uma das características que mais atrai numa montagem específica é quando ela consegue contar a história por si mesma. No entanto, para quem quiser conhecer o enredo de Giselle, pode-se acessar o seguinte link, onde a história é contada antes de uma crítica à montagem do ballet pelo Ballet do Theatro Municipal do Rio de Janeiro. A seguinte resenha, como o título já diz, refere-se a versão do The Royal Ballet, exibida nos cinemas em 27 de janeiro de 2014, estrelada por Natalia Osipova no papel de Giselle e Carlos Acosta interpretando o Duque de Albrecht. Eis o link: 
     

     Pertencendo ao repertório romântico de ballets do século XIX, juntamente com La Bayadère, Giselle é dividido em dois atos, que muito contrastam um com o outro em atmosfera. No início, somos apresentados ao Duque de Albrecht, que se finge de camponês para se aproximar de Giselle, uma camponesa humilde e encantadora, por quem se apaixona. Esta introdução é feita de maneira muito econômica e eficiente. Em seguida acompanhamos o pas de deux de Giselle e Albrecht, que é permeado por uma natureza juvenil, retratando as alegrias e angustias dos amores adolescentes. 

Amor juvenil

     Em seguida, somos apresentados aos camponeses, que bailam divertidamente. O interessante do baile de camponeses é que, em muitos casos noutros ballets, esses bailes são dançados por pessoas da corte, o que não acontece aqui. É um momento divertido, em que se expõe algumas técnicas. Quanto mais os bailarinos coadjuvantes transcendem esses momentos puramente técnicos e virtuosísticos, mais interessante o espetáculo fica. Nesta montagem, infelizmente, não senti essa transcendência. É bonito sim, mas nada que tenha me chamado a atenção. 

O baile

     Uma das coisas que realmente me deixou curioso foi o momento em que Giselle fica tão encantada com a roupa que Bathilde, a noiva de Albrecht (Giselle ainda não sabe disso). Não imaginava que Giselle fosse tão cobiçosa. Achei interessante, pois apesar de ser uma heroína romântica, que geralmente são idealizadas, esta aqui tem desvios de caráter, que em geral o romantismo tendia a esconder. Ora bolas, ela é humana. Natalia Osipova põe nesse simples gesto um tom de ingenuidade que encanta. Ela é magistral.

Cobiça, porém ingênua

     Natalia Osipova é uma das maiores bailarinas contemporâneas. E neste espetáculo, ao retratar o surto de loucura de Giselle ao descobrir que seu amado mentira sobre sua identidade e que iria se casar com aristocrata Bathilde, faz jus à sua fama. Que momento sublime e enérgico. O fato de ela morrer de ataque cardíaco soa coerente, visto que ela, em cenas anteriores, demonstrara ter problemas no coração. Ainda assim, é lamentável que ela não se suicide com a espada de Albrecht, como ocorria no roteiro original (na época em que foi lançado, o público se chocou com o suicídio de Giselle, e creio que, visto o Jovem Werther de Goethe havia causado surtos de suicídio em massa, os diretores acharam por bem modificar o libretto, mas, poxa, hoje em dia suicídio não é mais um tema tabu, a montagem atual bem que podia representá-lo, mas resolveram seguir a tradição, fazer o quê?). O legal é ver os cabelos de Giselle se soltarem sutilmente nos braços da mãe, um detalhe magnífico e simbólico, podendo significar várias coisas diferentes. E o que dizer da tensão criada na breve sequencia em que ela dança com a espada? Sensacional!! 

Surto de loucura

     Enquanto o primeiro ato do espetáculo tem um tom mais leve e simples, o segundo é permeado por uma natureza mais sombria. Giselle se torna, de repente, uma história de fantasmas, característica de uma boa história de terror do século XIX, com a ação ocorrendo em um cemitério. O túmulo de Giselle é velado por Hilarion, apaixonado por ela, e que era o arquinimigo de Albrecht. De repente, aparece o baile das Willis, espíritos de moças que morreram antes do dia do casamento, e que para se vingar, obrigam os rapazes dançarem até a exaustão. Estava curioso para saber como esse "dançar até a exaustão" seria representado, pois num ballet todos dançam até a exaustão naturalmente. Estava esperando algo incrível, similar a como a Aurora rodopia ao tocar o fuso em A Bela Adormecida. Infelizmente, achei a dança das Willis com Hilarion muito burocrática, embora gostei do modo como elas formaram o cerco. No entanto achei muito breve a sequencia, não fui convencido de que ele dançou até a exaustão, e a coreografia foi uma das mais fracas de todo o espetáculo. 

 
Ação no cemitério

Cerco das Willis a Hilarion

     No mais, a dança das Willis antes do cerco é uma coisa esplêndida, muito bonita e delicada. O tutu romântico realça essa beleza. Ainda assim, é uma delicadeza ameaçadora. Elas são pessoas vingativas, tinham mesmo que ser ameaçadoras.


Uma boa história de terror

     O pas de deux entre o fantasma de Giselle e Albrecht no segundo ato é bem diferente daquele do primeiro ato. É mais sombrio, e mais triste. É muito mais bonito e poético. E maduro. Natalia Osipova e Carlos Acosta têm uma química e energia invejáveis. São extremamente emotivos. Belíssima interpretação.

Pas de deux de amor e morte

   Giselle é um ballet simples, mas em geral cativante. Não exige cenários grandiosos, nem muitas pirotecnias, mas compensa com as belas coreografias, embora não sejam melhores que nenhuma de La Bayadère pelo Ballet da Opera de Paris em 2012 (curiosamente, Giselle tem uma história que lembra vagamente La Bayadère, principalmente no primeiro ato). Em breve resenharei este espetáculo. Apesar de pequenas escolhas desacertadas, Giselle brilha e emociona. É um espetáculo para se sentir. Não consigo ser muito racional com dança. É algo que me envolve e encanta.

     A quem se interessar, este ballet pode ser baixado aqui: 
     



     

      


  






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