"Cegonhas, quais navios, brancas, cinzentas, voam isentas da gravidade, com os seus bicos esguios."
Não conhecia esse filme até poucos dias atrás, quando resolvi conhecer um pouco mais do cinema russo e pesquisar suas obras mais significativas. E o que posso dizer? É uma obra-prima, que merece ser conhecida e estudada por todo cinéfilo pelo seu apelo emocional, e acima de tudo, pelo primoroso trabalho técnico. O festival de Cannes foi muito justo em premiá-lo com a Palma de Ouro, o prêmio mais importante do cinema.
O roteiro na verdade segue um enredo muito simples e por vezes é até esquemático e clichê. Conta a história de amor de Veronika e Boris, um jovem casal moscovita que em breve irá se casar... no entanto, Boris está indo para a guerra. Em sua despedida, Veronika se atrasa e perde Boris de vista na multidão. Então ele parte para a guerra sem se despedir de sua amada. E assim, acompanhamos Veronika, que nunca perde a fé de que seu noivo está vivo.
Como se vê, não há nada de extraordinário na história em si. Na verdade, o que faz esse filme a obra-prima que é, é a direção precisa de Mikhail Kalatozov, que sabe como enquadrar sua câmera como ninguém, além de conseguir captar todo o poder emocional que emana do rosto de Veronika, interpretada magistralmente por Tatyana Samojlova, uma interpretação digna dos maiores prêmios. O diretor faz com que nos apaixonemos perdidamente por Veronika no início, com seus trejeitos, sua faceirice e singeleza, para nos martirizar com seu sofrimento ao longo do filme. Seus olhares fortes e perdidos são de arrasar o coração. Os olhares expressivos são algo muito tradicional no cinema russo, pelo que estou percebendo. Em quatro filmes de épocas diferentes, percebi tal recurso, sempre muito bem utilizados: O Encouraçado Potemkin (1925) de Sergei Eisenstein, A Despedida (1983) e Vá e Veja (1985), ambos de Elem Klimov, e este que hoje analiso, de 1957.
Este filme possui muitas cenas que são dignas de aplauso pela construção técnica nem um pouco gratuita que servem para ilustrar o impacto emocional e vou analisá-las aqui neste parágrafo. Primeiramente, a cena em que Veronika está procurando Boris no meio da multidão. Um único plano sequência a acompanha do ônibus, descendo para a rua e andando por entre as pessoas que contrastam com seu rosto ao se mostrarem felizes, e de repente a câmera sobe numa panorâmica que para mim remeteu a cena de Scarlett buscando o Dr.Meade em ...E o Vento Levou (1939), de Victor Flemming. É uma cena com um dos melhores trabalhos de direção de figuração que eu já vi; outra cena que me chamou a atenção foi quando vemos o prédio de Veronika devastado e pegando fogo. A câmera a acompanha subindo as escadas que anteriormente tinha sido palco de uma das cenas de romance do filme, logo no início, e isso nos permite entender a avidez aflita com que Veronika sobe aqueles degraus. A imagem panorâmica da destruição que está presente no ápice da cena é arrasadora. A direção de arte merece muito aplauso; outra cena de destaque, uma das cenas mais atmosféricas que eu já vi, é o momento em que Mark toca piano para acalmar Veronika quando a sirene de alerta de bombardeio começa a tocar. E então, quando o bombardeio começa, ambos abraçados e com medo, Mark a encara com olhos gananciosos e a beija a força. A direção de arte mais uma vez contribuiu junto com a iluminação e a fotografia, uma sequencia de arrepiar. A presença da cortina que é suspensa com o vento e que encobre o rosto de ambos enquanto Veronika foge de Mark é um toque de mestre, é uma cena digna de ballet; A cena em que Veronika corre pelas ruas foi filmada de uma maneira muito intimista, e as colunas gradeadas das casas, juntamente com a montagem, transmite todo o cansaço e desespero dela fantasticamente. E então, vem a cena que mais me chamou a atenção de todo o filme, uma das cenas de morte mais arrepiantes da história do cinema na minha opinião, que é na cena em que Boris leva um tiro na guerra. A destreza da montagem dessa cena é algo apaixonante de se ver. Entramos na mente de Boris em seus últimos instantes e vemos as imagens se misturando, uma mistura de lembranças, sonhos nunca realizados, e a última imagem que ele percebe antes de morrer: a copa das árvores, cujas folhas, em imagens justapostas com o rosto alegre de Veronika, cria uma sensação de fragmentação do rosto desta última, o que mais uma vez me emocionou muito. Chorei rios nessa cena.
Gente, se vocês lerem essa resenha e amam verdadeiramente o cinema, digo: busquem esse filme, não vão se arrepender, é uma lição de cinema das melhores que há, em todos os aspectos: direção de arte, fotografia e iluminação, montagem, interpretação e direção. Vale muito a pena, de verdade.
Para quem se interessou, aqui nesse blog tem o link para baixar por Torrent:
http://saladeexibicao.blogspot.com.br/2010/01/quando-voam-as-cegonhas.html
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