segunda-feira, 10 de março de 2014

"QUANDO VOAM AS CEGONHAS", de Mikhail Kalatozov



     "Cegonhas, quais navios, brancas, cinzentas, voam isentas da gravidade, com os seus bicos esguios."


     Não conhecia esse filme até poucos dias atrás, quando resolvi conhecer um pouco mais do cinema russo e pesquisar suas obras mais significativas. E o que posso dizer? É uma obra-prima, que merece ser conhecida e estudada por todo cinéfilo pelo seu apelo emocional, e acima de tudo, pelo primoroso trabalho técnico. O festival de Cannes foi muito justo em premiá-lo com a Palma de Ouro, o prêmio mais importante do cinema. 

     O roteiro na verdade segue um enredo muito simples e por vezes é até esquemático e clichê. Conta a história de amor de Veronika e Boris, um jovem casal moscovita que em breve irá se casar... no entanto, Boris está indo para a guerra. Em sua despedida, Veronika se atrasa e perde Boris de vista na multidão. Então ele parte para a guerra sem se despedir de sua amada. E assim, acompanhamos Veronika, que nunca perde a fé de que seu noivo está vivo. 

     Como se vê, não há nada de extraordinário na história em si. Na verdade, o que faz esse filme a obra-prima que é, é a direção precisa de Mikhail Kalatozov, que sabe como enquadrar sua câmera como ninguém, além de conseguir captar todo o poder emocional que emana do rosto de Veronika, interpretada magistralmente por Tatyana Samojlova, uma interpretação digna dos maiores prêmios. O diretor faz com que nos apaixonemos perdidamente por Veronika no início, com seus trejeitos, sua faceirice e singeleza, para nos martirizar com seu sofrimento ao longo do filme. Seus olhares fortes e perdidos são de arrasar o coração. Os olhares expressivos são algo muito tradicional no cinema russo, pelo que estou percebendo. Em quatro filmes de épocas diferentes, percebi tal recurso, sempre muito bem utilizados: O Encouraçado Potemkin (1925) de Sergei Eisenstein, A Despedida (1983) e Vá e Veja (1985), ambos de Elem Klimov, e este que hoje analiso, de 1957.   

     Este filme possui muitas cenas que são dignas de aplauso pela construção técnica nem um pouco gratuita que servem para ilustrar o impacto emocional e vou analisá-las aqui neste parágrafo. Primeiramente, a cena em que Veronika está procurando Boris no meio da multidão. Um único plano sequência a acompanha do ônibus, descendo para a rua e andando por entre as pessoas que contrastam com seu rosto ao se mostrarem felizes, e de repente a câmera sobe numa panorâmica que para mim remeteu a cena de Scarlett buscando o Dr.Meade em ...E o Vento Levou (1939), de Victor Flemming. É uma cena com um dos melhores trabalhos de direção de figuração que eu já vi; outra cena que me chamou a atenção foi quando vemos o prédio de Veronika devastado e pegando fogo. A câmera a acompanha subindo as escadas que anteriormente tinha sido palco de uma das cenas de romance do filme, logo no início, e isso nos permite entender a avidez aflita com que Veronika sobe aqueles degraus. A imagem panorâmica da destruição que está presente no ápice da cena é arrasadora. A direção de arte merece muito aplauso; outra cena de destaque, uma das cenas mais atmosféricas que eu já vi, é o momento em que Mark toca piano para acalmar Veronika quando a sirene de alerta de bombardeio começa a tocar. E então, quando o bombardeio começa, ambos abraçados e com medo, Mark a encara com olhos gananciosos e a beija a força. A direção de arte mais uma vez contribuiu junto com a iluminação e a fotografia, uma sequencia de arrepiar. A presença da cortina que é suspensa com o vento e que encobre o rosto de ambos enquanto Veronika foge de Mark é um toque de mestre, é uma cena digna de ballet; A cena em que Veronika corre pelas ruas foi filmada de uma maneira muito intimista, e as colunas gradeadas das casas, juntamente com a montagem, transmite todo o cansaço e desespero dela fantasticamente. E então, vem a cena que mais me chamou a atenção de todo o filme, uma das cenas de morte mais arrepiantes da história do cinema na minha opinião, que é na cena em que Boris leva um tiro na guerra. A destreza da montagem dessa cena é algo apaixonante de se ver. Entramos na mente de Boris em seus últimos instantes e vemos as imagens se misturando, uma mistura de lembranças, sonhos nunca realizados, e a última imagem que ele percebe antes de morrer: a copa das árvores, cujas folhas, em imagens justapostas com o rosto alegre de Veronika, cria uma sensação de fragmentação do rosto desta última, o que mais uma vez me emocionou muito. Chorei rios nessa cena.

     Gente, se vocês lerem essa resenha e amam verdadeiramente o cinema, digo: busquem esse filme, não vão se arrepender, é uma lição de cinema das melhores que há, em todos os aspectos: direção de arte, fotografia e iluminação, montagem, interpretação e direção. Vale muito a pena, de verdade.    

   
     Para quem se interessou, aqui nesse blog tem o link para baixar por Torrent:
     http://saladeexibicao.blogspot.com.br/2010/01/quando-voam-as-cegonhas.html

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