quarta-feira, 5 de março de 2014

CRÍTICA: "TERRA DE NINGUÉM" de Terrence Malick

   
Terra de Ninguém (1973). Direção e Roteiro de Terrence Malick. Com Martin Sheen e Sissy Spacek

     Terrence Malick é um cineasta cujos filmes tem um poder indescritível sobre mim, sempre me emocionaram, desde que assisti A Árvore da Vida, meu primeiro contato com a obra do diretor. Trata-se de um tipo muito peculiar de emoção: a emoção sensorial e espiritual, e como cada um têm sensações e espiritualidade diferentes, seus filmes se tornam muito pessoais e íntimos a seus espectadores. São obras que têm uma grande comunhão com a natureza, e através dessa comunhão, abre uma janela para o nossa alma e nosso inconsciente, e nos lembra que nós mesmos somos parte dessa natureza encantadora e ao mesmo tempo devastadora, que sempre está em guerra consigo mesma. Resolvi resenhar então os filmes de Malick, a começar por Terra de Ninguém. Sei bem que o diretor não é uma unanimidade, geralmente tendo mais detratores que apreciadores, mas raramente as pessoas entendem porque gostam ou desgostam de sua obra. Assistir a seus filmes é como ver quadros de arte sacra, não do tipo que retrata vida dos santos ou de Jesus Cristo, mas obras subjetivas que trazem simbolismos sagrados por trás, como os quadros de Giotto. Nem por isso sou religioso, apenas aprendo a compreender a experiência religiosa e as tenho à minha maneira. Claro, quase nenhum de seus filmes são sacros explicitamente, exceto A Árvore da Vida e Amor Pleno, mas todos trazem uma carga espiritual e emocionais muito intensas, principalmente seus quatro filmes mais recentes. Os dois primeiros são parte do cinema dos anos 70, com uma trama mais explícita e uma maneira mais convencional e linear de contar uma história, mas acredito que os 20 anos que Malick passou sem dirigir um filme amadureceu sua maneira peculiar de fazer cinema, o tornando um cineasta extremamente autoral e consistente, coisa rara de se ver hoje em dia.

Uma história de amor? O retrato de um romance?

     Terra de Ninguém já possui certas características da gramática atual do diretor, mas é um filme bastante diferente de sua filmografia. Como disse acima, seu primeiro filme é fruto dos anos 70, em que o cinema foi marcado por uma diversidade de anti-heróis, como o Travis Burkle de Taxi Drive, Michael Corleone de O Poderoso Chefão... e o jovem Kit, do filme que iremos analisar a seguir. Nunca mais o cinema de Malick teria um sujeito de moral tão discutível, um verdadeiro bad boy, como protagonista, mas também, nunca mais teria um personagem com uma personalidade tão bem delineada. Depois deste filme, Malick começou a priorizar a percepção sensorial em detrimento do desenvolvimento de personagens, o que fez com que muitos espectadores o taxassem injustamente de superficial, resumindo sua obra a "uma série de imagens de cartões postais coladas juntas". Mas para mim, sua obra é muito mais do que isso. Mas voltemos a Terra de Ninguém.

     O filme foi inspirado no caso real de Charles Starkweather e Caril Fugate, um casal de adolescentes que em 1958 saiu matando, nos estados de Nebraska e Wyoming, 14 pessoas. Inclusive Charles matou o pai de Caril, o que Malick expõe no filme. No entanto, o nome dos jovens é trocado por Kit e Holly. Em meio a essa onda de violência, há uma narração em off bucólica na voz de Sissy Spacek durante a viagem deles, que, como veríamos depois, se mostraria a marca registrada de Malick, embora essas narrações aqui tenham a diferença de realmente fazer parte da história, com um intuito específico de mostrar o contraste entre a onda de violência crescente e a visão romântica de Holly. Ao contrário, em seus outros filmes, a narração é usada mais com um intuito sensorial (de novo essa palavra! Se tratando de Malick, é inevitável). Essa visão romântica é apoiada pela trilha composta por George Tripton muito adequadamente, além de músicas de Carl Orff e Erik Satie.

Adão e Eva no Paraíso?

     Martin Sheen tem uma de suas melhores performances como Kit, o jovem rebelde que lembra a rebeldia pulsante de James Dean, e tal comparação é feita mais de uma vez ao longo da película. Isso é um detalhe não ocasional: Charles Starkweather também foi comparado a James Dean na vida real. Já Sissy Spacek como Holly está tão inexpressiva que incomoda, mas creio que foi proposital, afinal, o personagem pedia um ar de inocência sonhadora, inconsequente e alheia ao que ocorre ao seu redor.

     Apesar de o filme ser diferente em tom dos demais filmes de Malick, há aqui alguns elementos comuns em toda a sua filmografia. Além da narração em off já mencionada, há também a presença da natureza como força motora de problemas e alegrias, concomitantemente. É na natureza que os jovens primeiramente tentam refúgio em sua fuga, desfrutando de uma sensação estarem no Jardim do Éden, onde fazem o papel de Adão e Eva em meio ao paraíso. É na natureza que eles se sentem bem, que eles se permitem conhecer um ao outro. E é na natureza que eles começam a se desencantar um pelo outro. Mas é claro, a paz na natureza é algo efêmero e insustentável.

Paz na natureza? Ou.. paz na natureza primitiva do homem?

     A fotografia magistral de Brian Probyn, Stevan Larner e Tak Fujimoto (de O Silêncio dos Inocentes) revelam, através de seus filtros, os mínimos detalhes dos ambientes e paisagens por onde os jovens passam. Em relação a fotografia, os filmes de Malick só fizeram melhorar, atingindo o ápice da beleza em O Novo Mundo (2005). A montagem ainda é bem convencional. O filme ainda não possui os experimentos de edição dos demais filmes.

Alienação autoinduzida

     A excelente narrativa que se analisarmos bem, é doentia pelo contraste que transmite, unida pela bela fotografia e a ótima atuação de Martin Sheen fazem de Terra de Ninguém é um excelente filme, e merece ser relembrado pelas novas gerações. É um reflexo do que a boa fé em quem se ama associada  à uma alienação e autoinduzida podem acarretar.



Trailer:




   

     

   

     
   

     

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