domingo, 6 de setembro de 2015

A MENINA SUBMERSA: MEMÓRIAS, de Caitlín R. Kiernan




"'Vou escrever uma história de fantasmas agora', ela datilografou.
'Uma história de fantasmas com uma sereia e um lobo', datilografou mais uma vez."

Como diz Caitlín R. Kiernan numa das epígrafes do livro A Menina Submersa, "este livro é o que é, o que significa que ele pode não ser o livro que você espera que seja". E de fato, o livro não foi o que eu imaginava. No final das contas, foi muito melhor. Sem dúvida uma das narrativas mais inovadoras que pude ler esse ano no que concerne à estruturação. "As histórias mudam a sua própria forma", diz outra epígrafe, e foi exatamente isso que senti. Esse livro se metamorfoseia constantemente, como uma borboleta alterando as cores de suas asas. 



Mas então, o que eu imaginava do livro? Quais eram minhas expectativas iniciais?

A resposta é: deixei-me enganar pela capa da orelha do livro. Passei as 320 páginas esperando a tal história de terror, mas o que encontrei foi uma história de amor, uma história de amor meio que às avessas, com fantasmas, sereias e lobos. O livro é narrado e protagonizado por India Morgan Phelps, ou Imp, uma garota diagnosticada com esquizofrenia paranoica, uma doença que muito me chama a atenção desde que vi, quando criança, o filme Uma Mente Brilhante (A Beautiful Mind, de Ron Howard, 2001). Nesse aspecto, eu já esperava uma narrativa densa, intrigante e fora do comum. E nesse aspecto minhas expectativas se mantiveram sólidas. O que achei interessante, em se tratando da esquizofrenia paranoica, foi o fato de Imp não ignorar seus surtos de loucura. Ela mesma foi ao hospital psiquiátrico, aceitou seu diagnóstico e da maneira que pôde, tratou dele. O que ela fala nesse sentido é bem interessante:

"Não tinha percebido que também sou louca - e que provavelmente sempre havia sido - até alguns anos depois da morte de Rosemary. É um mito que pessoas loucas não saibam que são loucas. Sem dúvida, muitos de nós são capazes de epifanias e introspecção como qualquer outra pessoa, talvez até mais. Suspeito que passamos muito mais tempo pensando sobre nossos pensamentos do que as pessoas sãs. Ainda assim, simplesmente não tinha me ocorrido que o modo como eu via o mundo significava que eu herdara a 'Maldição da Família Phelps' (para citar minha tia Elaine, que tem uma queda por tiradas dramáticas)".


Seria muito interessante fazer pesquisas com esses pacientes esquizofrênicos e com outros transtornos psiquiátricos a respeito da consciência em relação às doenças que os acometem.  



A história é de certa maneira a jornada pessoal de Imp em sobreviver à Maldição da Família Phelps, e isso trás um significado muito bonito, pois trata-se da luta para não cair nas lábias da sereia: uma luta constante contra o impulso suicida meio que incontrolável em momentos de surtos psicóticos. Sim, é de fato uma história de fantasmas, sereias e lobos. Um dos aspectos mais intrigantes desse livro é que Imp subverte as noções preconcebidas que temos a respeito desses seres fantásticos (tudo bem, um lobo não é um ser fantástico, mas vamos estabelecer que é no contexto dos contos de fadas), noções essas desenvolvidas e difundidas ao longo dos séculos pela cultura popular nos mais variados meios de expressão e presente no imaginário coletivo, dando-lhes uma concepção muito mais real, palpável a nós, seus leitores, e por isso muito mais assustadores que os fantasmas protoplasmáticos. Imp materializa seus fantasmas interiores e nos instiga a fazer o mesmo. Ao longo da leitura, percebi que muitos de meus fantasmas são terrivelmente aflitivos, mas é necessário e possível uma mudança de perspectiva para torná-los fantasminhas camaradas, mas para isso é preciso energia mental. Temos que tentar ver o mundo, os fatos e as pessoas sobre as mais diversas perspectivas. E essa é a jornada de Imp, seu propósito. 



"Fantasmas são essas lembranças fortes demais para serem esquecidas, ecoando ao longo dos anos e se recusando a serem apagadas pelo tempo; (...) uma característica dos fantasmas, muito importante: você tem de tomar cuidado porque assombrações são contagiosas. Assombrações são (...) transmissão de ideias perniciosas, doenças contagiosas sociais que não precisam de hospedeiro viral nem bacteriano e são transmitidas de milhares de modos diferentes. Um livro, um poema, uma canção, uma história de ninar, o suicídio da avó, a coreografia de uma dança, alguns quadros de filme, um diagnóstico de esquizofrenia, o tombo fatal de cima de um cavalo, uma fotografia desbotada ou uma história que você conta para sua filha. Ou um quadro pendurado numa parede".



O que é listado no trecho acima são os fantasmas de Imp, e é incrível como esses elementos podem de fato incomodar bastante. Um desses fantasmas é o quadro A Menina Submersa, do pintor (fictício) Philip George Saltonstall, que dá título ao livro. A narrativa é repleta de onirismo, criando uma atmosfera única através de uma escrita que considero muito poética (há quem vá discordar de mim!), uma poesia intimista não preocupada com convenções: obscura e sombria, doce e amorosa, terna e agressiva, racional e delirante, em resumo: uma narrativa feita de ondas oscilatórias, da natureza metamorfoseante das lagartas/borboletas... 



Mas por baixo da atmosfera densa criada, é contada uma belíssima história de pessoas humanas conflituosas e reais. A relação de Imp com sua namorada transexual e com a sereia/lobo Eva Cunning é muito bem desenvolvida em sua propositada incompletude e incoerência. Na orelha do livro se diz que o livro muitas vezes remete à atmosfera do filme Azul é a Cor Mais Quente (La Vie d'Adèle, de Abdellatif Kechiche, 2013), e não se poderia ter sido mais exato, mas também me veio a cabeça filmes como Piquenique na Montanha Misteriosa (Picnic at Hanging Rock , de Peter Weir, 1975) e Cidade dos Sonhos (Mulholland Drive, de David Lynch, 2001), ambos muito bem recomendados por mim e que estão entre meus favoritos.

A narrativa de Imp é truncada, desconexa, incoerente e duvidosa. Ela insere no meio de seu texto poesias, recortes de jornal e de catálogos de museus, referências a livros e músicas, fatos históricos (L'Inconnue de la Seine e os suicídios na floresta japonesa Aokigahara) e contos dela mesma (geniais, diga-se de passagem, visto que temos que nos esforçar para compreender traços da personalidade da própria Imp nos personagens que cria). Ela não é uma narradora comum, linear. Ela não pretende contar uma história com início e com fim, pois em seu ponto de vista

"Nenhuma história tem começo e nenhuma história tem fim. Começos e fins podem ser entendidos como algo que serve a um propósito, a uma intenção momentânea e provisória, mas são, em sua natureza fundamental, arbitrários  e existem apenas como uma ideia conveniente na mente humana. As vidas são confusas e, quando começamos a relacioná-las, ou relacionar partes delas, não podemos mais discernir os momentos precisos e objetivos de quando certo evento começou. Todos os começos são arbitrários. (...) Não estou disposta a acalmar a Tirania do Roteiro. As vidas não se desenvolvem em roteiros ordenados e o pior tipo de artifício é insistir que as histórias que contamos, para nós mesmos e uns para os outros, devem ser forçadas a se conformar ao roteiro, narrativas lineares de A a Z, três atos,  os ditames de Aristóteles, ação elevada e clímax e ação decadente e, em especial, o artifício da resolução. Não vejo muita resolução no mundo; nascemos, vivemos e morremos, e no fim disso há somente uma confusão feia de negócios inacabados".



Talvez a pretensão do livro de ser uma história sem começo nem fim tenha sido frustrada, pois na verdade tem uma certa lógica interna, e sabe, de certa maneira, a direção em que está seguindo e a história que quer contar. Mas é interessante na abordagem de que fatos ocorridos a terceiros desconhecidos no passado podem influenciar nas nossas vidas presentes. Lembrei-me nesse aspecto de A Terra Inteira e o Céu Infinito, de Ruth Ozeki, já comentado neste blog. Mas o diário de Imp ao final do livro, depois do fim da narrativa, demonstra que a vida segue imprevisível e com um fim desconhecido. 

"Cada vez mais começo a entender como as histórias de Saltonstall e de A Menina Submersa são parte integrante da minha vida (...), mesmo que eu não afirme que seja verdadeiramente o início das coisas que aconteceram. Não em sentido objetivo. Se eu fizesse isso, estaria fugindo da questão. Será que o início foi a primeira vez que vi o quadro, no meu décimo primeiro aniversário, ou foi a criação de Saltonstall, em 1898? Ou seria melhor começar com a construção da represa, em 1886? Instintivamente continuei procurando por esse tipo de começo..."



Um reflexo da dicotomia paranóia/racionalidade da narradora faz ela tomar para si o conceito desenvolvido por Ursula K. Le Guin, autora do excelente A Mão Esquerda da Escuridão, de verdadeiro e real. Verdadeiro no caso é tudo o que se passa na cabeça da narradora, todas a imagens que ela vê, mas que ela sabe que não é real pela lógica. Lembrei-me de John Nash, em Uma Mente Brilhante, que reconhece a impossibilidade da existência de seu amigo mais íntimo e da sobrinha deste pelo não envelhecimento da menininha. Então me pergunto: seriam todos os esquizofrênicos capazes de procurar padrões que denunciem a irrealidade da sua alucinação? No caso, para Imp, há os fatos verdadeiros, mas não reais, e os fatos verdadeiros e reais.



A partir desses conceitos de verdade e de realidade, começo aqui a fazer minhas ressalvas (pois nem tudo são flores e não há perfeição nesse mundo!). Acredito que essa lógica tenha sido um ponto forte do livro - visto que conferiu uma densidade surpreendente à narrativa sem que esta soe verborrágica (com excessão do insólito capítulo 7, narrado durante um surto psicótico em um fluxo de consciência genial); mas também foi o seu ponto fraco, quando pensamos que uma narradora suspeita que não sabe que é suspeita é muito mais instigante, principalmente para um amante da literatura de William Faulkner como eu (vem na minha cabeça a narração da Srta. Rosa Coldfield em Absalão, Absalão!, e seu ódio contra Thomas Supten, o protagonista desse livro, cujo ponto de vista nunca ficamos sabendo por vias diretas). No caso, Imp narra fatos para depois corrigi-los e acrescentar camadas, e depois desmistificá-los e então compreender que eles nunca existiram. Claro que é muito interessante, e é fiel com a característica da esquizofrenia dela, mas infelizmente é uma via de mão dupla. A maior força do livro é sua maior fraqueza também. Mas no panorama geral da obra, isso é um pecadilho dessa obra-prima.  



A Menina Submersa é um livro que surpreende. Não é um livro fácil. Denso, misterioso, inconcluso, onírico, impetuoso, lúgubre, árido, poético... são tantos adjetivos possíveis. No futuro espero relê-lo quando compreender muito mais a esquizofrenia, assim como pretendo reler O Homem do Subsolo, de Dostoievski, quando tiver uma compreensão maior do transtorno obsessivo compulsivo. É um livro que ensina que temos que tentar compreender as verdades por trás da mente dessas pessoas com um psiquismo diferente, ao invés de criticá-los por não compreenderem a irrealidade das verdades que para eles são inerentes. 



Enfim, recomendo fortemente. Um livro para se ir lendo aos poucos. Adentrar na mente de Imp e compreendê-la exige paciência e dedicação, mas é recompensador. 

PS: No final do livro ocorre uma das cenas de sexo mais lindas e originais que já li. Se nada do que escrevi acima atiçou a sua curiosidade, talvez esse detalhe em particular possa servir de incentivo.  

domingo, 15 de fevereiro de 2015

RESENHA: O PINTASSILGO, de Donna Tartt

   

     Enquanto lia a última obra (a terceira em três décadas) da escritora norte-americana Donna Taart intitulado O Pintassilgo e lançada ano passado pela Companhia das Letras, fui sentindo a necessidade de mudar a estrutura de minhas críticas; ao longo da leitura, minha maneira de encarar o livro oscilou como raramente já acontecera antes, de modo que, terminada cada uma das 721 páginas do calhamaço, ainda não sei muito o que pensar dele, tampouco saberia lhe taxar uma simples nota numérica (aliás, cada vez mais acredito que essa maneira de avaliar uma obra de arte, sem defender o porque, é muito simplória e superficial, que muitas vezes serve apenas para dar vazão à uma arrogância crítica não muito intelectual). Espero que, escrevendo o texto que se segue, minhas reflexões se tornem mais soltas e abrangentes e estejam aptas a captar aspectos não percebidos durante a leitura, como aqueles raciocínios que só nos vêm quando forçamos nossa mente. Não estou querendo dizer que o livro seja genial ou complexo demais, pois não é; em muitos aspectos até deixa muito a desejar, e apesar de ser enorme, no final das contas é incompleto e superficial emocionalmente, cheios de vácuos nesse sentido. No entanto, este filho de Donna Taart contém alguns  outros aspectos muito interessantes e bem trabalhados. O equívoco e a genialidade andam lado a lado de mãos dadas aqui. Eu consigo perceber esses mencionados aspectos isoladamente, e por isso mesmo não estou conseguindo deter minha análise diante do quadro completo.

    Vamos começar pelo enredo, bastante simples. Donna Taart, em entrevista, disse que o que a motivou a escrever este livro foi uma reflexão que teve a respeito das obras de arte que se perdem ao longo da história por motivos fúteis. Eu mesmo às vezes fico me lembrando de peças incríveis para sempre perdidas do museu de Bagdá, ou nos pergaminhos da Biblioteca de Alexandria. É um pensamento que é bem colocado no comentário de Audrey Decker direcionado a seu filho Theodore, protagonista e narrador, bem no início do livro, em que ela comenta que "é deprimente como perdemos as coisas sem necessidade. Por puro descuido. Incêndios, guerras. O Partenon, usado como depósito de munição. Acho que o que quer que conseguimos salvar da história é um milagre". Então acontece uma coisa espantosa: uma explosão desencadeada por um atentado terrorista dentro do museu que mata a jovem mãe do pequeno Theodore e que só não o mata igualmente por um milagre. Assim, a morte da mãe representa um quadro para sempre perdido, mas que estará sempre presente no coração do jovem Theo, como a cópia de uma obra de arte capaz de evocar tanta emoção quanto a original (particularmente, eu gostei do comentário, mas achei forçado acontecer esse atentado depois de uma observação como esta, como que para dar um efeito dramático eficaz e definir uma temática, algo que Donna Taart evita ao longo do livro; curiosidade, pois é sempre bom fazermos paralelos entre as obras de arte e a nossa vida, há alguns anos, eu e uma amiga estávamos andando na rua de noite numa região perigosa, e quando comentávamos sobre os riscos de sermos assaltados, mais de um revólver foi apontado para a nossa cabeça segundos depois. Não, não acredito que induzi os astros a conspirarem contra mim pelo meu pensamento negativo, se por acaso algum leitor de O Segredo ler essas minhas palavras. De qualquer modo, eu estava num lugar em que o risco de assalto era grande, ao paço que a probabilidade de o museu onde Audrey e Theo estavam sofrer um ataque terrorista era mínima). Ao mesmo tempo, um senhor idoso ferido no atentado (Welty) induz Theo a resgatar o quadro O Pintassilgo (do qual falarei abaixo) e lhe dá um anel que o direciona a Hobie, um restaurador de móveis antigos de quem Welty era sócio, encontro esse que definirá uma grande parte do futuro do jovem (mas do qual não comentarei). No entanto, o medo de Theo de ser repreendido por "roubar" o quadro (em sua concepção seria punido e preso) faz ele guardar o segredo. O Pintassilgo, portanto, passa a ser uma obra-prima declarada perdida no atentado, e a cada ano que passa, Theo é invadido por duas espécies crescentes de sentimento de culpa, pela perda da mãe (pois não estariam no museu se não fosse problemas provocados por Theo) e pelo quadro. Tudo isso é narrado por uma pessoa claramente instável psicologicamente.

Carel Fabritius. O Pintassilgo.

     E esse é um dos pontos fracos do livro. O sentimento de culpa de Theo chega a irritar um pouco. Sua autoimolação é cansativa. Juro que me esforcei para colocar-me no ponto de vista do menino, de encarar a narração como obra de um rapaz com síndrome do transtorno pós traumático, mas é ruim demais sentir pena de alguém.

     Para mim os melhores momentos estavam quando Theo falava e interagia com os personagens ao seu redor, pessoas normais em situações corriqueiras, e gostei de ver como os detalhes psicológicos destes personagens foram inseridos, um aspecto que me fez reavaliar o livro de maneira mais positiva. Pois num momento (no início), temos um conhecimento muito superficial desses personagens (o que é natural se tratando do ponto de vista de uma criança traumatizada), mas anos depois, numa série de diálogos (o que acho muito apropriado; me lembrou muito os princípios narrativos de William Faulkner de só se saber sobre terceiros que não temos contato constante através do ponto de vista de uma outra pessoa), conhecemos melhor alguns dos personagens, embora alguns não sejam tão importantes para o andar da história (como é a história do senhor Barbour), e isso é muito bom. A vida não segue um roteiro pré-estabelecido, ela como um todo não está delineada como uma trama fictícia com início, meio e fim (algo que a autora aprendeu com Proust, a psicologia inserida e moldada no espaço), mas com inícios, meios e fins e outros inícios que se mesclam a outros inícios ou a outros fins e assim por diante. A vida é ramificada, assim como as relações interpessoais e os nossos momentos. A vida ramifica-se tanto para o futuro como provém de ramificações passadas.

Egbert van der Poel. Incêndio de Delft

     Outro ponto positivo do livro é a naturalidade dos diálogos. Não gosto de diálogos expositivos demais, a não ser que o diálogo seja narrativo. Muitas vezes, Theo fala em monossílabos. Isso foi criticado por algumas pessoas, mas o fato é que na maioria das vezes ele não tinha realmente nada para dizer. Falar por pura conveniência com qualquer pessoa, como fazem muitos dos personagens de Jane Austen, não faz parte de Theo e da maior parte da sociedade. Os diálogos no meio dos delírios com drogas pesadas em sua juventude transviada com Boris (seu melhor amigo no segundo ato da história) realmente parecem delirantes (lembrei-me do filme O Homem Duplo, de Richard Linklater).

     Além disso, é admirável perceber a vida própria dos personagens secundários. Por vezes, até "figurantes" se mostram complexos. Inclusive, em alguns momentos, eu pensava: "nossa, o Theo é um coadjuvante nessa situação, e o personagem principal não sabemos o que anda fazendo". Isso eu aplaudo. Genial.

    No entanto, é frustrante terminarmos o livro e sentirmos que pouco sabemos sobre a mente de seu protagonista. As vezes isso é um recurso para se criar uma aura mística sobre um personagem (de novo me referindo a Faulkner), mas aqui o misticismo sobre Theo não funciona pois a narrativa é desenvolvida pelo próprio, além de que ele faz questão de só nos mostrar seus pontos fracos, se tornando apenas um personagem vazio envolto em tristeza. Muitas coisas acontecem ao seu redor e ele se mantém passivo. Por um lado isso é irritante, mas por outro lado, realista.

Egbert van der Poel. Incêndio de Delft.


     Alguns críticos compararam o estilo de Donna Taart a Oscar Wilde. Só se for pela elegância no trato do texto, Esse é o grande ponto positivo do livro, o texto como forma é uma delícia, as metáforas são muito argutas e as descrições revelam uma escritora com muita capacidade técnica. Mas além desses elementos, Wilde se mostra presente no fato de que ele era dado a "moral da história" presente nas fábulas de Esopo e La Fontaine. O Pintassilgo também tem uma, e não vou contar qual é, apenas criticá-la: é uma moral muito óbvia e clichê, ainda que eficiente aos propósitos do livro.


     Até agora me concentrei nos aspectos técnicos do livro, mas não falei na questão de que o quadro O Pintassilgo, de Carel Fabritius, que inspirou o título, é um sobrevivente. Fabritius foi um pintor holandês discípulo de Rembrandt e mestre de Vermeer. Em 1654, o armazem de pólvoras da cidade de Delft explode, destruindo o bairro do artista num grande incêndio (outro mestre holandês daquela época, Egbert van de Poel, enlouquecido pelo incêndio de Delft, pintou variadas versões dessa catástrofe). Seu ateliê e a maior parte de suas obras foram destruídas (apenas 12 sobreviveram, além do perecimento do próprio artista aos 32 anos). Assim, percebe-se a correlação desse fato com a temática do livro. Não há sutileza nisso. Essas coincidências me soam antinaturais demais, e essa é uma de minhas maiores críticas a essa obra, que se pretende ser realista, embora entenda que tudo isso definirá a vida do narrador protagonista e lhe trará uma carga simbólica significativa. Assim como o quadro, Theo é o sobrevivente. Seria assim Theo o próprio Pintassilgo, preso nas patas por uma corrente (seria essa corrente autoinfligida ou deveríamos culpar os seus traumas nunca superados pela explosão) e tendo por destino a solidão?          


Donna Tartt.


     PS 1: Aqui vai um texto e entrevista muito interessantes sobre a destruição dos patrimônios culturais da humanidade no Iraque. Quem deveria responder por esses crimes em tempos de guerra? Óbvio que o debate se aplica a qualquer caso em que haja destruições desse tipo.

http://www.usp.br/jorusp/arquivo/2003/jusp640/pag0607.htm

     

quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Resenha: ABSALÃO, ABSALÃO!, de WILLIAM FAULKNER



     Hoje trago a resenha de um dos livros mais marcantes que já li, uma obra-prima absoluta, cheia de simbolismos e belas construções estruturais, rítmicas e poéticas. Foi um dos mais difíceis que já tive o prazer de encarar, mas, após virar a última página, me senti recompensado por ter conseguido compreender o panorama geral da história contada, porém pleno da consciência de que, para capturar os detalhes e o significado de toda a poesia que o texto encerra (em especial os capítulos narrados por Rosa Coldfield, poetisa ela mesma, e portanto, as partes mais expressivas, dolorosas e belas, e, talvez também por ter sido a única narradora que vivenciou parte da história do livro, não confiável), terei que fazer uma releitura em breve. Creio que não será um esforço em vão: os verdadeiros clássicos merecem esse tipo de atitude por parte de seus leitores. Este é um tipo de livro que numa revisão descortina muitos dos mistérios que rondam os personagens ao mesmo tempo que novos símbolos vão brotando de suas ruínas. Sim, é um livro extremamente simbólico, e no entanto, continua sendo muito difícil para mim interpretá-los devidamente.
   
     Para começar, precisamos de algumas notas biográficas a respeito do autor nos aspectos importantes para compreendermos a ambição de seu projeto. William Faulkner nasceu 30 anos após a Guerra da Secessão, quando o Sul dos Estados Unidos da América, de cultura escravocrata, autodenominado Estados Confederados da América, foi derrotado pelo Norte abolicionista liderado por Abraham Lincoln (quem já viu ...E o Vento Levou sabe do que estou falando). Com isso, Faulkner pôde observar, enquanto crescia, a ruína de muitas famílias aristocráticas pelo fim da mão de obra escrava. Seu ambiente natural serviu de laboratório para sua aguda percepção psicológica e para o aflorar da sensibilidade expressa em suas obras vindouras. Os conflitos em realidades decadentes podem trazer junto a si uma força matriz que impulsiona a criação de grandes obras para quem se permite aproveitar as oportunidades e enfrentar as fortes ondas opositoras, e Faulkner aproveitou-as muito bem, assim como Flannery O'Connor, Carson McCullers, Katherine Anne Porter e Eudora Welty também o fizeram e como tantos autores sulistas ainda hoje o fazem, explorando alguns temas em comum, como o preconceito racial intransigente que mora nos poros brancos naquelas bandas (que permitiu a criação da Ku Klux Klan, cuja força persistiu por tanto tempo), os quais foram taxados, creio que indevidamente (sempre tenho problemas com taxações), de estilo gótico sulista, pois na verdade só o que há é uma confluência temática, sendo os estilos literários os mais variados. Com o objetivo de reconstruir à sua própria maneira essa realidade decadente do Sul dos Estados Unidos, Faulkner criou um condado fictício chamado Yoknapatawpha (que significa Terra Dividida no idioma indígena Chickasaw), no Norte do Estado do Mississipi, sendo Jefferson sua principal cidade. Segundo vários estudiosos, Yoknapatawpha é inspirado no Condado de Lafayette, onde Faulkner viveu grande parte de sua vida, sendo Oxford sua principal cidade e modelo para Jefferson. Nesse condado imaginário o autor compôs a ação de grande parte de suas obras, algumas delas verdadeiras sinfonias literárias.
   
     Absalão, Absalão! é um crônica familiar que abarca a trajetória de Thomas Sutpen e de seus filhos, do apogeu até a derrocada de sua estirpe. São quatro os narradores do livro, cujos pontos de vistas de um mesmo fato ora se complementam, ora se contradizem: Rosa Coldfield, irmã de Ellen Coldfield (esposa de Sutpen e mãe de Henry e Judith) conta a Quentin Compson (personagem do livro mais famoso de Faulkner, O Som e a Fúria) sua visão da história; Quentin ouve de seu pai outros fatos relacionados (relato de segunda mão direto da narração do avô de Quentin); já Quentin debate com seu amigo da faculdade, Shreve, a respeito do que apreendeu daquilo tudo e criam juntos suas conclusões do quebra cabeça: quais teriam sido a motivação para Thomas Supten ter agido como agiu, expulsando os índios de suas terras e construindo a Vila Sutpen a base do escravagismo? De que aspectos de seu passado ele tentava fugir ao chegar em Yoknapatawpha, e como ele conseguiu tanto poder? Porque ele tinha tanta necessidade de procriar? (encarava seus descendentes como seu legado?) Quais os aspectos que rondam seu declínio e morte? Que motivo levou seu filho Henry a matar seu amigo Charles Bon, noivo de Judith, e quais foram as circunstâncias desse assassinato?

     Ao contar o livro dessa maneira, Faulkner cria muito mais do que uma sucessão de fatos. Na verdade, estes são expostos já no início, mas de maneira obscura. A obscuridade dá luz a mitos a respeito de qualquer coisa, e não demora muito para ares míticos rondem a história dos Sutpen, sendo salientados pela tragédia pessoal de cada um de seus membros, que assume uma grandeza poucas vezes vistas. Quantos mitos familiares você tem na sua família, no que diz respeito a seus avós e bisavós não mais presentes? O quão histórias, que poderiam ser apenas trivialidades discutidas sem nenhum propósito, engrandecem pela óptica do mistério e da ambiguidade? Assim, a partir desse clima, são narradas cenas belíssimas de uma verve dramática surpreendente, como os momentos de fome e invasões durante a guerra; os comentários de Bon a respeito da prostituição das mulheres negras; os (anti) diálogos de Bon e Henry são uma criação de gênio ("ele não poderia ter dito que..." + a fala dos personagens.).

     Faulkner emprega aqui a maravilhosa técnica do Fluxo de Consciência (também extensivamente explorada por Clarice Lispector) de uma maneira muito original e proficiente. As divagações de seus personagens flutuando no tempo e no espaço nunca soam gratuitas e estão inteiramente ligadas à narrativa, servindo para criar, junto com um senso de poesia impecável, uma atmosfera lírica e sombria ao mesmo tempo, erguendo, a partir de cinzas espalhadas pelo vento, edifícios inteiros e entremeando-os com a complexidade de suas bases, mas permitindo a entrada da luz do sol pelas suas janelas, apenas esperando que o momento dessas mesmas estruturas desabem sobre o solo, impedindo a luz de continuar a cruzar a janela, pois não mais existe: cinza e poeira novamente surgem dos destroços. Quem vai reconstituí-los?

     PS: A Editora Cosac & Naify finalmente relançou a obra numa belíssima edição, depois de mais de 20 anos. Achei que tinham desistido de relançar a obra completa de Faulkner depois do fracasso de vendas dos títulos até então lançados. Nem sempre os mestres são reconhecidos, infelizmente. Um Nobel valoriza a obra de um autor, mas não a torna necessariamente um sucesso de público. Faulkner escrevia para quem gosta de ser desafiado. Espero que William Faulkner seja mais valorizado no futuro, e que a nova edição sirva para isso. Já estou indo comprar a minha para fazer comparações entre as traduções.      

sexta-feira, 14 de novembro de 2014

Resenha: A TERRA INTEIRA E O CÉU INFINITO de Ruth Ozeki

   

     Tudo está conectado. Essa é uma ideia clichê explorada em vários meios artísticos, mas ao tratá-lo de um jeito tão simples, Ruth Ozeki brilha e inova ao enfocar a conexão quase mística que se forma entre o escritor e seu leitor. Assim, Ruth Ozeki (a personagem, não a autora, que é o autorretrato desta, ou seja, apenas uma representação da pessoa real, não a própria) se conecta a Naoko Yasutani, uma adolescente de 16 anos japonesa; a própria Naoko faz o mesmo com o seu tio avô Haruki, que tem o nome igual a de seu pai (o que é uma belíssima escolha da autora, pelos conflitos de consciência similares que ambos enfrentam, e que todos nós deveríamos enfrentar, pois a falta de ética cada vez mais toma conta desde cedo dos indivíduos em sua singularidade quanto reunidos em massa), este se conectando (e aparentemente enlouquecendo) com cabeças da filosofia mundial. Mas o livro é muito mais do que isso. Em suas páginas, A Terra Inteira e o Céu Infinito expõe temas urgentes e fundamentais em contrastes gritantes, por vezes de forma cortante e explícita, em outras ocasiões mais delicadamente, explorando uma diversidade de estados de espírito em seus personagens, que vão ao fim do túnel sem luz aparente até um vislumbre do que seja a iluminação que os budistas tanto almejam, mas que não se frustram caso não a atinja. No fim das contas, a maior conexão explorada por Ruth Ozeki é aquela que nós leitores temos para com seus personagens. Será a literatura capaz de mudar a vida de seus leitores?
     Duas histórias paralelas são traçadas inicialmente. A primeira diz respeito a Ruth, escritora americana filha de japoneses que num belo dia encontra nas areias da praia da ilha remota em que habita (Whaletown, Columbia Britânica, Canadá) um saco plástico cheio de cracas no interior do qual há uma lancheira da Hello Kitty; nela, descobre-se o livro Em Busca do Tempo Perdido (uma de minhas paixões literárias, aliás) de Marcel Proust, cujo miolo se revela, na verdade, uma narrativa de Naoko Yasutani, a adolescente japonesa mencionada no parágrafo anterior, surgindo a partir daí a dúvida inicial se de um diário ou ficção se trata (até que limite nossos diários se tornam ficções de nossas próprias vidas ao, além da narração de fatos, os ilustrarmos com metáforas pictográficas e explorarmos variadas figuras de linguagem, enriquecendo a matéria bruta com a habilidade particular no jogo das letras a desvendar nossos estilos? Até onde o fluxo da consciência reverencia o ser real que os cria no momento em que está acordado, concentrado na realização do ato de viver?). Através da leitura de Ruth e das notas de rodapé que ela desenvolve a respeito das páginas manuscritas da menina, acompanhamos a trajetória de uma jovem insegura, cheia de conflitos normais de sua idade, mas que encontra um ambiente hostil tanto no próprio lar como na escola. No seio de sua família, a hostilidade é devida ao clima de negação gerado por um pai suicida e uma mãe que sofre calada. É uma família disfuncional digna de figurar como estudo de caso num dos livros mais que repetitivos de Augusto Cury, para quem tudo no final das contas tem uma solução simples. Mas o livro torna claro que não há soluções simples: não é possível viver plenamente de acordo com as diversas variáveis de nossas existências, talvez não seja nem ao menos saudável ser bem adaptado a tudo que nos ronda, configurando apenas um paço para a submissão. Já a opressão da escola é devido ao tradicional (nada mais chocante do que utilizar tal adjetivo para caracterizar algo tão vil e covarde, mas, na linha de análise de Hannah Arendt, banalizado) bullying, físico e psicológico. Para a garota, só lhe resta o SUPAPAWA (leia o livro que vai entender) para enfrentar seus problemas, em contraposição a uma atitude simples de executar o suicídio pelo qual é friamente obcecada... Até que ela se conecta ao seu tio avô através de cartas e diários escritos por ele, o piloto camicaze morto para alimentar a catástrofe de uma derrota iminente numa guerra estúpida movida por egos patrióticos (nada há de mais inconsequente que alimentar fanaticamente o amor uma bandeira, independente do que ela simbolize, seja um time, uma pátria ou uma religião). A conexão que a ela faltava para começar a mudar sua vida, se permitindo antes de tudo mudar suas opiniões, amadurecendo seu ponto de vista (algo saudável que muita gente tem medo de fazer pelo simples ego de não quererem estar erradas, embora às vezes nem seja propriamente uma questão de certo ou errado).
     Por outro lado, Ruth tem que se conectar com seus amigos e vizinhos da ilha onde mora, pessoas em geral afeiçoadas à solidão, para desvendar os segredos que ela não é capaz de decifrar sozinha. No fim das contas, Naoko se tornou uma força motriz para a ação de fomentar laços de amizade e cooperação alheia. Ela não seria jamais incluída na lista das pessoas mais influentes da história, mas essa pequena influência na vida de um tão minúsculo número de pessoas já é uma vitória na vida. A sensação de uma vitória distinta da de um ego megalomaníaco. Às vezes eu me pergunto se minha existência será capaz de inspirar alguém, de trazer algo significativo para o mundo, se a minha curta existência neste mundo terá alguma relevância. Mas, prefiro não buscar uma resposta para estas dúvidas. Tenho apenas que viver.
     Não se pode esquecer de mencionar a velhinha Jiko, de 104 anos, a bisavó da adolescente que depois da morte do filho camicaze  refugiou-se como monja budista num templo com a finalidade de orar para que as pessoas encontrem o caminho do meio que define a iluminação espiritual da tradição budista (confesso que sou adepto de tal conceito, nada melhor do que evitar os extremismos). É a respeito dela que Nao resolve escrever em seu diário, mas falha, explanando apenas um breve perfil biográfico e a descrição da relação das duas. Muita coisa fica em aberto, e é louvável (e poético) que no fim do romance a menina admita o fracasso de sua empreitada e revele que possa vir a escrever a biografia em questão nas páginas em branco inseridas na carcaça do livro O Tempo Reencontrado, o último volume de Em Busca do Tempo Perdido (esta revelação por minha parte garanto que não prejudicará a fruição do livro). Você nunca teve um momento em que, ao relembrar o passado, reencontrou, dentro do coração daquele ser que um dia já foi você mas que já não o é pelas barreiras que o tempo impôs, mas que somente às lembranças é dado a faculdade de transpôr, respostas há muito esquecidas para os seus tormentos e angústias?
     A autora tem um grande domínio de sua narrativa, concatenando as narrações em primeira e terceira pessoas de maneira eficiente e elegante. O contraste entre a espontaneidade da linguagem de Naoko e o distanciamento no dia a dia de Ruth tem seu valor estético. Os contrastes são elementos importantes de nossas vidas em si. Uma vida boa é feita de altos e baixos, o que tem-se que fazer é encarar tal fato, não ter medo dos fracassos e se orgulhar das conquistas, por mínimas que sejam. Porém o que ocorre na maioria das vezes é o repúdio ao erro, evita-se comentar sobre ele, odeia-se quem o faz recordar de um momento tão inoportuno... no final  das contas este é o maior erro que se poderia cometer: esquecer do que não lhes convém, ainda que isto seja fatal. Nossa incapacidade em massa de tirarmos lições valiosas do passado é a nossa ruína. Quando Platão escreveu sobre Atlântida, a cidade perdida, contou algo a respeito do progresso ganancioso que precede o declínio catastrófico. Dessa lição certos políticos e empresários riem, debocham, se fecham às lições das histórias, e perseguem quem vai contra a corrente nociva que formam.
     Além de todos esses dilemas éticos e existenciais que permeiam o livro, há vários outros elementos que se encaixam de maneira orgânica às visões espirituais de Ruth Ozeki, como mecânica quântica, paradigmas físicos como O Gato de Schrodinger, entre outros. Nada é utilizado de maneira gratuita neste livro, o que é muito bom. Espero que curtam como eu curti. É um livro que eleva nossa consciência moral e emocional.

         

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Resenha: O MUNDO PÓS-ANIVERSÁRIO, de Lionel Shriver

     

     Uma vez, em meu aniversário de 16 anos (2005), quis comemorá-lo de uma maneira simples, passando o dia com minha melhor amiga naquela época, e por quem eu estava muito apaixonado. Ela também estava apaixonada por mim, mas a nossa timidez mútua para encarar os sentimentos nos custou muito. Nesse dia, ela tomou coragem e me convidou para que eu sentasse ao seu lado em um banco para podermos conversar mais intimamente. No entanto, eu não aproveitei a oportunidade de beijá-la; ao invés disso, não sabia o que dizer, estava muito nervoso e tentava disfarçar. Ainda me lembro do olhar de decepção  e constrangimento dela quando desistiu daquele momento e convidou-me para ir com ela ao apartamento, onde estavam seus familiares. Com o decorrer do tempo, nossas vidas tomaram rumos opostos e perdemos contato. Às vezes ainda penso nela, de maneira nostálgica. Pergunto-me: e se tivéssemos nos beijado? O que teria hoje o Gabriel dessa realidade alternativa de diferente do Gabriel que ora vos escreve? Seria a alternativa melhor que a realidade?  
     O Mundo Pós-Aniversário é o segundo livro que leio da autora Lionel Shriver. O primeiro foi para mim o já jovem clássico Precisamos Falar Sobre o Kevin (2003), em que ela analisava as questões mais espinhosas a respeito da maternidade com uma intensidade brutal mas delicada ao mesmo tempo. Igualmente neste livro, publicado em 2007, Lionel explora um outro tema extremamente humano a fundo: o casamento. Ainda não li o Dupla Falta, que é um outro livro a respeito de casamento escrito por ela, mas sei que os enfoques são diferentes. Dupla Falta retrata a respeito da competitividade dentro de um relacionamento, e sei que os personagens não são flores que se cheirem, pelo que andei lendo da resenha de amigos. O Mundo retrata, por sua vez, as imperfeições mais visíveis dos relacionamentos, não importa que caminho trilhemos em busca da felicidade: a realidade é sempre menos fantásticas que as nossas projeções idealizadas. Talvez seja justamente por idealizarmos nossa realidade que tendemos a imaginar como seria nossa vida se tivéssemos tomado certas decisões no passado, que, olhando em retrospecto, ilusiona a existência de uma felicidade plena em qualquer que seja o âmbito desejado, seja o profissional, seja o sentimental. Lionel já corta secamente nossas expectativas, esfregando na cara do leitor, já na abertura, um fato que tendemos a esquecer quando nos é conveniente: "ninguém é perfeito". Se ninguém é perfeito, o mundo também não o é, e os relacionamentos menos ainda. Onde quer que haja pessoas, há imperfeição, independente de qual seja o mundo alternativo que prefiramos nos apegar. Mas claro, é saudável imaginar um mundo perfeito em que tivéssemos tomado decisões corretas que proporcionariam consequências sempre benéficas para nós, desde que excluído qualquer resquício de sentimento de culpa por justamente não tê-las tomado. 
     Irina McGovern, uma ilustradora de livros infantis e protagonista do livro, se vê justamente nesse impasse. Morando junto com seu companheiro de longa data Lawrence Trainer -- analista do terrorismo mundial num instituto de estudos estratégicos, homem verdadeiramente culto, porém meticuloso, pouco sociável e que não sabe expressar muito bem seus sentimentos, sendo no entanto extremamente amoroso e leal a sua companheira -- Irina se sente tentada a beijar Ramsey Acton, um amigo do casal, jogador extremamente popular de sinuca, um homem charmoso e cheio de excentricidades, mas ainda assim, um bom homem a sua maneira. A partir de então, o romance se bifurca em duas realidades. Em uma delas, mostra-se as consequências dela ter cedido à tentação; na outra, mostra-se as consequências de não o ter feito. É mérito da ficção excluir a premissa de que uma versão é menos ou mais real do que a outra. Na verdade, não existe realidade na ficção, e sim, verossimilhança, o que não falta para as duas alternativas. Lionel é mais pé no chão que aqueles documentários pseudo-científicos sobre física quântica na abordagem dessa questão de alternativas paralelas (sem desmerecer a física quântica real e verdadeiramente científica). Sempre, nas duas alternativas, Irina se pergunta "e se tivesse feito o oposto do que fiz?", mostrando justamente a imperfeição de suas realidades. Ambas as alternativas trarão bençãos e sofrimentos diferentes, e em nenhum dos casos, há lugar para arrependimentos eternos e martirizantes.
     Lionel Shriver tem uma habilidade extraordinária para criar personagens complexos e limitados, e por isso mesmo, nos perturba pelo quanto temos de parecidos com eles (surpreendentemente tenho muitas sensações e pensamentos em comum com os três personagens principais). Seus personagens tridimensionais servem como espelho para seus leitores. Todos têm qualidades maravilhosas e defeitos assustadores (as vezes incomodamente repugnantes). Não somos assim? 
     Além dos personagens, tenho que falar da prosa da autora. Percebi algumas características marcantes dela, fazendo comparações com o Kevin. Por exemplo, ela estabelece muito bem as profissões de seus personagens, tirando daí cenas interessantes. Todos os personagens são fluentes no ramo profissional que escolheram para si, e as vezes eles não conseguem entrar na mesma sintonia por conta disso, sendo constrangedoramente incompreensíveis uns aos outros, embora sempre haja um esforço para reverter esta situação. Não sou muito fã de livros com muitos diálogos, isso porque geralmente os acho superficiais e antiliterários, mas bato palmas para os criados por Lionel, que tem uma fluidez invejável, conseguindo abordar sentimentos os mais variados de maneira nada superficial. É curioso como ela consegue criar tensão abordando temas tão diversos, como num determinado momento, em que há um diálogo em que se discute a respeito da história da sinuca e o movimento do IRA. A prosa é outro ponto chave. A autora é muito perspicaz em suas observações psicológicas a respeito dos sentimentos, e explora a natureza humana mais eficazmente que em Kevin, empregando tons que variam do ácido ao agridoce, sempre de maneira muito orgânica. Além disso, ela consegue manipular nossas opiniões com uma destreza única. Lionel não alisa nossa falta de consciência; antes, a esmaga com uma martelada poderosa.   
     Por outro lado, o livro também tem seus pontos fracos. Na verdade, são mais excessos que defeitos. Há um cem número de vezes em que Irina compara os sotaques norte-americano e britânico. Além disso, percebi ser uma tendência da autora situar suas histórias em momentos do passado, para que ela possa fazer comentários a respeito de alguns temas, como a morte da Princesa Diana, a traição de Bill Clinton a Hillary Clinton com a estagiária Monica Lewinsky, sua negação a respeito desse caso, a natureza conveniente desse casamento, a questão da ascensão do terrorismo, a queda do World Trade Center, etc. Não acho que Lionel não tenha feito comentários espirituosos a respeito desses vários temas, mas as vezes sinto que ela usa o passado para manter uma margem de segurança a respeito dos temas que aborda sem cometer grandes gafes. Parece-me meio covarde, como se ela tivesse receio de não ser capaz de abordar temas atuais com proficiência. No entanto, creio que é só minha impressão. A autora é colunista no jornal britânico The Guardian. Se ela de fato tem essas limitações, está só na cabeça dela. 
     Recomendo fortemente esse livro. Ele nos amadurece emocionalmente. A visão a respeito do amor nunca mais será a mesma. Nos trás muita humanidade e nos faz pensar nas nossas próprias limitações no que concerne aos relacionamentos amorosos. Um livro poderoso.                 
       

quinta-feira, 24 de julho de 2014

Resenha do conto O GERÂNIO, de Flannery O'Connor

     

     Não há nada mais difícil que mudar a visão de mundo, opiniões deturpadas, sedimentadas durante décadas, na mente de um idoso, quando a necessidade de uma mudança de tal natureza se dê mais pelas mudanças, ao longo dos tempos, de valores éticos e sociais essenciais que regem o senso comum, que por qualquer outra coisa. Se levarmos em consideração isso, poderemos apreciar o conto O Gerânio em toda a sua ambiguidade moral. Trata-se da história do velho Dudley, um personagem pelo qual Flannery O’Connor magistralmente nos faz sentir simpatia por adentrarmos na mente melancólica de seu idoso protagonista, nos mostrando suas dificuldades de adaptação à cidade grande (Nova York, ele, que vem de uma realidade campestre do sul dos Estados Unidos), seus anseios, suas lembranças (qualquer objeto é um motivo para se lembrar de algo ou alguém de sua realidade anterior, como, por exemplo, uma simples planta, o gerânio do título, lembrar-lhe um menino com poliomielite, Grisby), as confusões mentais da velhice, para logo em seguida nos surpreender com o enorme preconceito que este guarda implacavelmente em seu cérebro. Entretanto, a sensação é que não o guarda no coração. Suas lembranças de Rabie, um negro do sul, que o ajudava em suas caçadas e pescaria, revelam certo carinho pelo amigo (que ele procura jamais o chamar de amigo, que isso seria indecente por ele ser negro) e saudade, apesar de ser uma saudade não declarada, não escancarada em palavras doces de saudade, mas apenas reveladas pelas lembranças de bons momentos.
     Assim, é assustador e surpreendente quando Flannery nos revela um parágrafo como este:

     Começou aos berros: “Você não foi criada assim! Não foi criada para viver junto com negros que pensam que são iguais a você. E depois ainda vem com essa, achando que vou me meter com alguém dessa raça? Você deve é estar maluca, pra chegar a cismar que estou querendo alguma coisa com eles” (...) Ele sabia que os americanos do Norte recebiam negros pela porta da frente e permitiam que se sentassem nos seus sofás, mas não sabia que sua própria filha, tão bem-criada como tinha sido, fosse capaz de viver com eles na porta ao lado – achando ainda por cima que ele perdera o juízo, que queria se misturar. Logo ele!

     Mas o que fazer com um preconceito tão enraizado na cultura sulista? Lembro claramente de outros livros que li, de negros criados de brancos sentindo preconceito com pessoas de sua própria cor. Assim, ao mesmo tempo que sentimos simpatia, como geralmente sentimos com os velhinhos, sentimos raiva pelo preconceito (graças a Deus, apesar de ainda existir muito racismo aqui no Brasil, não chegar aos níveis do sul dos Estados Unidos, ilustrado por organizações como Ku Klux Klan e pela segregação racial dos anos 1960 – e por isso é de se admirar o trabalho de Martin Luther King frente a essas adversidades).

     
     Esse conto nos revela que o ser humano é mais complexo que seus preconceitos. 

sábado, 19 de julho de 2014

REFLEXÕES SOBRE "ADMIRÁVEL MUNDO NOVO" de Audoux Huxley



   Imagine uma sociedade em que todos são felizes em seus trabalhos, e que, por não haver a inveja em relação a posição privilegiada dos superiores, ninguém se machuca com maus pensamentos, não se angustia (pois a sociedade não têm mais problemas com o que se preocupar), têm a humildade de não desejar mais do que aquilo que podem possuir, e portanto, não há roubos, não há violência, por consequência não há presídios a serem ocupados por prisioneiros, pois não mais existe o ato que separa uma pequena transgressão dos bons costumes vigentes - que não fazem mal a ninguém, não é? - de um crime propriamente dito; imagine uma sociedade limpa e higiênica, onde moléstias de todo tipo que se possa imaginar foram erradicadas ao longo dos anos; imagine uma sociedade em que o crescimento populacional está bem controlado, ou seja, não há mais que burlar a terceira lei de Newton para poder viver confortavelmente; imagine uma sociedade que não tem mais noção do que é solidão, melancolia, tristeza, depressão, e em que a perspectiva da morte não é mais capaz de afligir ninguém. Você acha que isso é um protótipo modelo de uma sociedade perfeita? Se sim, você precisa ler esse livro urgentemente. Mais necessitados ainda de sua leitura estão aqueles que adorariam viver nessa sociedade pelo simples fato de que se pode transar a vontade com quem quer que seja.



     Com bem diz a jacket da minha edição, o slogan COMUNIDADE, IDENTIDADE, ESTABILIDADE sustenta a trama social dessa obra, que se passa no futuro 632 depois de Ford (aquele dos automóveis, e que acabou por influenciar a "filosofia" da produção em massa, inicialmente dos automóveis, e posteriormente dos mais diversos produtos). Há que se abordar cada uma das partes do difundido slogan levando em consideração o contexto da trama. Pois bem, vamos lá.




    O que aconteceria se um grupo de pessoas extremamente inteligentes, com iguais capacidades intelectuais e práticas, habitassem uma ilha deserta e tivessem que construir uma nova civilização por conta própria? Passados anos, se nos fosse permitido acompanhar o desandar da experiência, no resultado desse processo civilizatório possivelmente veríamos, como vemos em todos os países e cidades, governantes e governados, líderes e subalternos, reis e comerciantes. Pois o fato é que não existe civilização sem as mais diversas camadas sociais (se todos fossem líderes de grandes empresas, quem cuidaria do saneamento básico tendo que enfrentar o cheiro de merda todos os dias?). Como por fim se determinou, nessa hipótese, tal quadro, se todos tinham as mesmas capacidades? Provavelmente através de brigas, de criação de facções, de intrigas e de brutal violência, associados ao grande esforço demandado para a criação de um Estado e suas instituições. Pois o fato é que numa sociedade assim, alguém que está por baixo mas tem plena convicção de suas capacidades não se contentaria em permanecer nessa posição por muito tempo, e consequentemente o ciclo de intrigas e dissimulação continuaria (claro, se há empreendedorismo, pode-se chegar ao topo da camada social independente de intrigas, na mas pura honestidade, mas vamos considerar, seria esse o padrão dominante no que concerne as atitudes humanas?)



     Há assim que se aplaudir essa sociedade futurística que nos é apresentada, não? Afinal, não há mais intrigas, nem violência, nem inveja. Existem líderes e subalternos, mas tudo é tão condicionado para o bem estar que ninguém está insatisfeito com a posição em que se encontra. A COMUNIDADE, assim, é dividida em várias castas, das mais superiores às mais inferiores, e seus integrantes estão felizes onde estão, pois foram condicionados para isso, e é assim que se mantém a ESTABILIDADE, através do condicionamento - uma vez eu li em algum livro de autoajuda que o cérebro é burro, e portanto, se você se sentir triste, sorria, mas um sorriso verdadeiro, que então o cérebro será CONDICIONADO a interpretar que você está feliz. Então me pergunto: seria a felicidade plena nociva? Devemos nos perguntar, antes de tudo, que tipo de felicidade é essa. Dependendo, pode-se determinar com afinco que a felicidade é não só nociva, mas é nociva por ser burra também.



     Falo da felicidade banal de livros de autoajuda e daqueles que só leem esse tipo de livro. A felicidade encontrada por meio das drogas alucinógenas. A felicidade por se poder comprar coisas além do poder de consumo (eu também sou burro: tenho o vício de comprar livros em excesso). A felicidade que, quando nasce, distorce a realidade, nos isola em nossa própria ignorância. Os agentes das verdadeiras mudanças políticas e sociais raramente tem esses comodismo e fuga, e ainda bem, pois senão estaríamos lascados. Felizmente há pessoas inconformadas no mundo, insatisfeitas com o sistema vigente. Durante esses protestos por conta das Jornadas de junho do ano passado e os decorrentes da  corrupção da Copa do Mundo da FIFA (porra nenhuma que é Copa do Brasil! Só quem levou a melhor foi a FIFA com a isenção de impostos), bem que o governo gostaria de soltar vapores de SOMA para acalentar os revoltosos, e já que não tem tal tecnologia, o substituto é certamente uma bala de borracha na bunda dos manifestantes e bombas de efeito moral.



     Pois o que garante a ESTABILIDADE dessa sociedade é o SOMA. Trata-se de uma droga alucinógena que não possui efeitos colaterais graves, sendo um instrumento do estado para acalentar os impulsos da personalidade, os anseios, a força do livre pensamento que existe dentro de nós, e cujo uso deliberado é preconizado por um ensino hipnopédico, a máquina do senso comum, e que tristemente, na realidade suscitada no livro, é imposta sistematicamente, numa espécie de regime mental. A questão do SOMA pode ser interpretada fazendo paralelos com o uso atual das drogas alucinógenas, e o alheamento de seus consumidores é um fato preocupante. Mas eu interpreto de outra maneira. O SOMA, junto com a HIPNOPEDIA, é na verdade uma alegoria a um sistema complexo e intrincado capaz de impossibilitar o contato de ideias realmente válidas e perigosas. Sabemos que no Brasil o público leitor é uma minoria absoluta (mas que, pelas estatísticas mais recentes fiquei surpreso ao ver que o número vem crescendo aos poucos), e, por muito tempo, o que era dito (e encoberto) na mídia se tornava uma verdade absoluta pela maior parte da população. A mídia (refiro-me a mídia de massas, capitalista por natureza, cuja única preocupação é alcançar um bom Ibope) se fez pão e circo. Esta mídia nos hipnotiza, nos faz esquecer de nossas vidas em detrimento de problemas mesquinhos e irreais das telenovelas (generalizo, mas óbvio que exceções existem para tudo). Esse desserviço em matéria de educação das grandes emissoras é uma das grandes responsáveis pelo declínio cultural da população; uma mídia que introjeta o senso comum, que mascara o que lhe compromete e o que poderia ser a força motriz de, se não uma revolta, um mal estar na boca do estômago. O que pode nascer desse mal estar é algo incerto, mas tenebroso. A mídia contribui para a manutenção dessa tirania disfarçada de democracia em que vivemos, desse conformismo pautado num prazer imposto goela abaixo do espectador. Que nem o SOMA. Visto que poderia-se dizer que a culpa é do povo que gosta  dessas porcarias e que dá audiência para as emissoras temos que observar que infelizmente hoje em dia essa questão é uma faca de dois gumes na hora de atribuir a culpa em alguém.

       
           Confesso que, por ser tão comentado e discutido ao longo de seus 82 anos de existência, esperava muito mais do livro. Não critico o âmbito das discussões que suscita, mas a forma narrativa que o autor escolheu para arquitetar seu texto e apresentar suas ideias (e o fato de, no final do livro, durante o fantástico debate entre O Selvagem e o Diretor, - que resume basicamente o que as ideias contidas no livro, portanto, não avancem as páginas, embora certamente será a única parte que me interessarei a reler no futuro - o diálogo ser apresentado de maneira tão mais clássica, e ganhando força por conta disso, me faz pensar que o livro é um tanto heterogêneo, e não sei dizer se isso é bom ou ruim exatamente) me pareceu meio solta, apressada e por vezes desnecessariamente confusa. Não sei, talvez tenha um problema sério com livros que não investem numa descrição mais elaborada dos sentimentos e pensamentos (tudo bem, eu entendo que o livro é futurista e etc, mas enfim, sinto falta de um pouco de fluxo de consciência que tanto admiro em meus autores prediletos, e ao invés de ficar citando a torto e a direita frases shekesperianas, O Selvagem poderia muito bem pensar pensar por si próprio). A despeito do debate já citado ser excelente, O Selvagem apresenta um conhecimento muito mais aprimorado do que a realidade permitiria que ele viesse a desenvolver. Ler Shakespeare não seria suficiente para aprimorar sua mente e lhe trazer o senso crítico que ele demonstra. Felizmente o autor reconheceu essa falha no prefácio que acompanha o volume (e que deveria ser um posfácio pelo número de spoilers por metro quadrado que possui). Enfim, o livro é muito, muito bom, mas, como diz o senso comum, nem tudo pode ser perfeito neste mundo (eu particularmente conheço obras de arte perfeitas em sua adequabilidade estética para o tema que investiga, mas são raros).
     
     Fico triste com toda a liberdade que temos e que pouco usufruímos. Odeio esse tipo de desperdício.