domingo, 13 de julho de 2014

Resenha: A ÁRVORE DOS DESEJOS, de William Faulkner



     William Faulkner é um dos escritores do século XX que mais admiro. A polifonia narrativa de seus romances é uma das técnicas literárias mais geniais já criadas, juntamente com o fluxo de consciência que ele tanto aprimorou em suas páginas, imprimindo um senso poético peculiar a histórias tão pungentes, viscerais e por vezes violentamente perturbadoras (me vem a cabeça principalmente Absalão, Absalão!), uma poesia decorrente das mais intrigantes reminiscências da memória e da pura imaginação. 
     
     No entanto, antes de Faulkner se tornar o escritor genial que se tornou, ele escreveu um livro infantil chamado A Árvore dos Desejos, no longínquo ano de 1926 (imediatamente depois de seu primeiro romance Paga de Soldado), mas que só foi publicado postumamente. É que ele o escreveu não com o intuito de publicação, mas simplesmente com a finalidade de presentear os filhos pequenos de seus amigos em seus aniversários. Achei uma excelente ideia, visto que hoje em dia, ao invés de se preparar algo com as próprias mãos, com o próprio engenho e destreza (ou a falta dela, mas que ao menos se poderia dizer, ante uma tentativa falha, que foi de coração com as melhores das intenções), é mais prático ir ao shopping e comprar algo que, no final das contas, alimentará as esperanças mimadas de no ano seguinte conseguirem algo ainda de maior valor monetário em detrimento do valor emocional que não seriam capazes de perceber de um presente feito pelo próprio ofertante! Será uma coisa que farei em breve também. Dane-se se não se apercebem dessas sutilezas emocionais, um dia se darão conta. 

     Assim, pelo estilo que Faulkner imprimiu em suas obras adultas, olhei com um misto de curiosidade, afinal é uma referência para mim, e de suspeita, visto que estava esperando algo no estilo dos contos de Sagas, de Strindberg, também único volume pretensamente infantil de um escritor intrincado, mas que possuem um certo hermetismo remanescentes de suas obras adultas, hermetismo este que me deixou desconcertado quando de sua leitura há 5 anos atrás (preciso relê-lo). Assim, esperava algum hermetismo da parte de Faulkner também neste pequeno livro. À curiosidade, no entanto, foi somada a fascinação que desmanchou as suspeitas restantes ao prosseguir da leitura, até completamente fragmentá-la e dissipá-la. 

     O fato é que de difícil o livro não tem nada. Além disso, não esperava tanto senso de humor (lembro-me, em Matilda, de Roald Danw, que a pequena leitora criticava bastante os livros infantis que não eram engraçados, como As Crônicas de Nárnia). Através de descrições imagéticas e fantásticas narradas num ritmo muito gostoso de se ler (não há hermetismo, mas há ainda a harmonia tão cara ao autor), além de uma dinâmica de diálogos quase teatrais e que é o elemento de maior graça do livro, a narrativa acompanha Dulcie (que menina fofa!), que, por conta de ter entrado na cama primeiro com o pé esquerdo e virado o travesseiro de lado, é surpreendida no dia seguinte, ao despertar, com um mundo cheio de possibilidades, em que tudo pode acontecer, estas tão mágicas palavras que nos encantam na infância, derivadas de singelos contos de fada. 

     Assim, Dulcie, junto com Dirkie (seu irmão pequeno), Geoge (seu vizinho) e Alice (sua babá), acompanham o garoto misterioso Maurice (de onde veio esse personagem? Ninguém sabe. Personagens obscuros também são uma marca registrada de Faulkner) seguem rumo em direção a árvore dos desejos do título, encontrando no caminho o velhinho Egbert, que diz ser um dos únicos a conhecer a árvore dos desejos. São os diálogos entre Alice e Egbert um dos elementos mais cômicos do livros, ainda que a força motriz de tal comicidade seja pautada em preconceitos por parte de Alice (o que pode levar alguns a rejeitarem a obra). O fato é que, para quem conhece a ficção adulta de Faulkner, o preconceito é um de seus temas prediletos, principalmente o racial. Isso me faz especular que o velho Egbert seja negro, e isto seja os motivos das implicâncias de Alice. E se uma de minhas outras especulações fosse verdade, a de que Alice, na posição de babá, isso no Sul dos Estados Unidos no início do século XX (não fica claro também se a obra se passa nessa localidade, mas levo em conta a maior parte de sua obra, podendo-se passar também no século XIX, antes da Guerra de Secessão, quem sabe? Só o próprio Faulkner poderia responder), sobretudo no imaginário Condado de Yoknapatawpha, também fosse negra, isto demonstraria um subtexto sociológico preocupante, em que as negras gentis criadas em contato com senhores brancos não se considerassem negras e sujugassem aqueles com sua mesma cor de pele. Mas claro, isto está além da obra infantil que ele criou. São meras especulações, tendo como base comparações que talvez sejam inadequadas.

     Não é o melhor livro infantil que já li, mas é muito bonito. Para quem gosta de livros com uma moral, o livro a possui também, como as fábulas antigas. Associada com a beleza da escrita de William Faulkner, o investimento

     Acabei por fazer uma resenha grande e talvez desnecessariamente racional para um pequeno livro infantil. Mas é um bom livrinho. A única coisa da edição da CosacNaify que não gostei foi que ele, apesar de ser um livro infantil, tem mais apelo de vendas ao público já conhecedor do autor. As ilustrações de Eloar Guazzelli que acompanham o texto são boas, mas pouco lúdicas para seu público alvo. Fora isso, é um bom livro.

     

          
        

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