sábado, 14 de dezembro de 2013

CRÍTICA: "CONTATO" DE CARL SAGAN


       À medida em que fui lendo o livro Contato, de Carl Sagan, minhas reações foram as mais diversas possíveis. Agora, terminada a leitura, não sei dizer se gostei ou não do que li. Explico, resumidamente, o que desenvolverei ao longo da resenha: Contato é um livro cheio de aspectos científicos que só os grandes escritores de aventura e ficção científica sabem traduzir para a literatura ficcional com devida verossimilhança, e nisso o livro é fantástico; no entanto, não consegui me aproximar de nenhum personagem em especial, justamente devido à excessiva linguagem científica, que acabou por ofuscar os dramas pessoais de cada personagem.
     O início é a parte mais doce e poética de todo o livro, em que acompanhamos o desenvolvimento intelectual da pequena Ellie Arroway, que através de suas travessuras infantis, acaba descobrindo o universo fascinante dos números transcendentais, e com isso se apaixonando pela matemática, que acabará por leva-la ao estudo da astronomia e ao desenvolvimento de uma personalidade extremamente cética e pragmática. A cena em que ela está deitada ao chão segurando a terra com força por causa de sua sensação de conseguir captar o movimento da terra é muito bonita e singela. Em sua infância também ela lê a bíblia de cabo a rabo e cria uma opinião própria, captando as contradições do “livro sagrado”.
     E este é o tema que permeará todo o livro: o embate entre a ciência e a religião, que chega ao estopim a partir da polêmica de uma mensagem captada por radiotelescópios do mundo inteiro, trazendo uma mensagem científica que revela o contato entre espécies inteligentes extraterrestres. Ou será que é o contato do Criador para com suas criaturas? Ainda assim, achei que esse aspecto foi mal explorado. Os personagens nunca chegam a uma ideia concreta. Claro, eu compreendo o autor: para esse tipo de questão, não existem fórmulas nem precisão, então não se pode chegar a uma ideia concreta. O problema é que muitos diálogos ficam em aberto, como o diálogo de Ellie com Palmer Joss em um museu, interrompido por um guarda. Achei que o autor forçou a barra nesse sentido, como se não soubesse que fim dar a uma cena e a um diálogo, simplesmente o interrompa.

     
Filme de 1997 inspirado no livro. Grande filme, quase se tornou uma obra-prima do cinema

     O que me agradou bastante no livro, como já disse, foi o aspecto científico. Eu gosto de aprender coisas novas. Aprendi sobre os radiotelescópios, como eles funcionam e pesquisas relacionadas à melhoria de seus receptores; alguns aspectos de física em geral, além da história da ciência e de história geral, como a vida de um guerreiro ambicioso chamado Qin que deu seu nome ao país China (Qin). O livro também trás alguns conceitos filosóficos, como  o Numinoso, termo cunhado por Rudolf Otto para designar o estado de espírito espiritualizado, mas não necessariamente por uma crença num ser divino. Um ator num palco de teatro quando totalmente entregue a seu personagem, de certa maneira sente o numinoso, pois se acha transubstanciado, por exemplo. Reflexões sobre a vida e a morte é um dos temas do capítulo Gilgamesh, e é algo que merece ser relido.
     O problema do livro, como disse, são os personagens, que apesar de serem interessantes, são distantes. O relacionamento de Ellie com sua mãe e o drama que Carl Sagan tenta desenvolver pelo distanciamento das duas não importa muito, melhor teria sido se sua mãe tivesse morrido no início do romance. Ainda assim, não tem como não se encantar pela personalidade forte de Ellie. O problema é que só vez por outra consegui ter alguma intimidade com ela. E isso me incomodou. Os integrantes de uma certa tripulação que não vou comentar para não dar spoilers são muito inteligentes, cheios de histórias para contar, mas... não sabia quem de fato eles eram e o que pensavam, apenas vagamente. O personagem que eu mais gostei no romance, pela sua ousadia em enriquecer subvertendo as leis do capitalismo, foi Sol Hadden, e sua história de vida pode ser lida como um conto separado do livro no capítulo Babilônia. Lido dessa forma trata-se de um conto irônico e reflexivo sobre a máquina do capitalismo e seus mecanismos. Vale a leitura.

     Carl Sagan era um gênio, um grande divulgador científico, e um dos grandes astrônomos de sua geração. Este livro tem muita coisa de autobiográfico, sabemos disso. E o que tive em mãos a maior parte do tempo foi um livro de divulgação científica, e não um romance, como era sua proposta. Assim, o livro tendo igualmente aspectos que me são muito caros e outros que não me agradam nem um pouco, estou indeciso sobre minha própria opinião a respeito. Mas é um livro melhor que muita coisa sendo publicada nos dias de hoje. Leiam e tirem suas conclusões.

Carl Sagan e um radiotelescópio. A radioastronomia é o grande tema do romance.

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